sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Medellín

"Quero ser arquiteta em Medellín!" Esse foi um dos meus pensamentos recorrentes ao percorrer essa cidade incrível, que, para mim, é a melhor cidade que já conheci aqui na Colômbia.

Medellín (que se fala "Mededjín"), como todos devem saber, ficou conhecida pela associação com drogas, pobreza e violência (imagem da maioria dos brasileiros de TODA a Colômbia). Mas a cidade não se curvou à isso eternamente e, a meu ver, devido ao - aqui - famoso empreendedorismo de seus "paisas" (como se chama quem é de Medellín), a cidade se transformou. E muito.


Apropriação do espaço público


Praça Botero, em frente ao Museo de Antioquia.
Acho que Medellín é tão bonita, inclusive, por causa dos seus paisas, que amam a cidade. Não se assuste se, em Medellín, te chamarem a atenção se você estiver pisando na grama ou ultrapassando a linha amarela no metrô (eu mesma fui chamada a atenção no parque dos "pés descalços", porque estava de sapatos onde não devia... e achei o máááximo!). Eles amam e cuidam de sua cidade, são famosos aqui por seu "orgulho paisa" e isso, a meu ver é o grande "x" da questão. O que melhor para um lugar que a apropriação dele pela sua própria gente? As pessoas usam a cidade e com muito orgulho. Talvez essa fase ruim de Medellín tenha impulsionado um sentimento de aversão à essa imagem ruim, fazendo com que as próprias pessoas quisessem mudar isso e não ficassem só dependendo do poder público. Uma coisa levou à outra e o poder público também se mobilizou como um reflexo disso, personalificado pela figura de prefeitos jovens e visionários que deram continuidade às coisas boas conquistadas.


Porque quero ser arquiteta em Medellín?


Bom, nos últimos anos (mais ou menos desde 2005), Medellín vem passando por um intenso processo de revitalização urbanística, com seu PUI - Projeto Urbano Integrado, que é um exemplo mundial de urbanização e inserção social. São projetos associados que levaram a quatro parques-bibliotecas, dez escolas públicas, revitalização do mobiliário urbano, metrocable, escadas rolantes nas comunas, etc. Dá gosto caminhar pela cidade: Medellín é repleta de lindos canteiros floridos, postes, bancos e mobiliário urbano de todas as formas modernos, cheios de design e bem cuidados, suas calçadas, seus muitos prédios com estilo modernista, museus, parques interativos, jardins... tudo isso aliado a seu clima de "eterna primavera" e pessoas com uma beleza "esperta" boa de ver.

Mobiliário urbano
Mobiliário urbano
Postes no Jardim Botânico, onde fica o famoso Orquideorama (3); que, infelizmente não pudemos visitar porque estava fechado, preparando-se para a festa das flores.
Orquideorama. Foto: Sergio Gomes, ruvius: Dos capangas às orquídeas, Miguel Adría
Mobiliário urbano em frente ao Planetário
Parque Explora (museu interativo) (1), integrado à estação de metrô (ao fundo).
Rua Poblado, uma das ruas fechadas aos domingos para ciclovia e afins. Todos usando muito.

Parque dos pés descalços, onde eu levei um puxão de orelha por andar de sapatos na areia.
O metrô visto da praça Botero.
A geografia que poderia ter sido um problema

Medellín é uma cidade inserida num vale, a 1500m de altitude. Suas ruas são inclinadas e íngremes e, para onde você olha, você vê morros e mais morros. E, nos morros, muitas, muitas favelas ou, como eles chamam aqui, comunas.
Estação de metrô (que não é subterrâneo) "Universidad", onde se pode ver um pouco da geografia íngreme da cidade
A cidade foi crescendo da parte central do vale (onde fica o rio Medellín e onde é mais plano) em direção às encostas íngremes. Aí, passa a principal linha do metrô. O metrô não é muito grande, mas conta com a grande solução que o Rio de Janeiro tenta copiar: o metrocable, que conta com três linhas (J, K e L) que se integram ao metrô com "bondinhos" e faz a integração com as comunas. Enquanto subíamos pelo metrocable (linha K), podíamos ver as ruas de cima: calçadas largas com recuos para carros e vans, mobiliário urbano diverso, praças, espaços públicos... E importantes marcos, como a famosa Biblioteca España (2).
Integração do trem do metrô para a linha K do metrocable. Os "bondinhos" vão passando devagar e você entra neles ainda em movimento. Dois bancos, um de frente para o outro, cabendo umas 10 pessoas no máximo.
Para ir ao Parque Arví, temos que fazer duas integrações de metrocable. Na primeira linka (K), passamos por cima dessa rua principal da comuna, com ótima urbanização, onde ficam instalados os postes que o sustentam. 
Um pouco mais alto, perto da estação de conexão para a segunda linha do metrocable (L), se pode ver a biblioteca España (2).

Já na linha L (e subindo!), pode-se ver a estação de conexão das duas linhas de metrocable (K e L). Ao fundo, se vê a biblioteca España.

Inserção social

A comuna é urbanizada como a cidade, pois não é um espaço à parte da cidade. Aliás, não há muita diferença, porque as ruas da "cidade" são, muitas vezes, tão íngremes quanto as da comuna. Afinal, a comuna também é a cidade. E, a meu ver, o interessante é que, se você quiser ir na Biblioteca España (2) ou ao Parque Arví (um paraíso verde que fica depois da comuna, através do metrocable), você tem que ir à comuna ou passar por ela. E não o contrário. Então, passamos por toda a comuna, até o final. Não obstante, na parte mais alta da comuna, é possível verificar seu processo de expansão: casas ainda mais humildes e invasões claramente ilegais vão surgindo numa área praticamente rural. 
Na parte mais alta da comuna, na segunda linha do metrocable, a caminho do Parque Arví. É preciso cruzar toda a comuna. Aqui já é possível ver as casas e ocupações irregulares no final da comuna e é possível ter uma vista boa de Medellín.
Nesse ponto da subida, já não se vê mais casas. Vemos algumas plantações (milho, batata...), apropriações como pequenos sítios com animais.
Conversando com um paisa no metrocable (que viu que estávamos observando as apropriações ilegais), ele comentava sobre o grande paradoxo: se eles investem na urbanização das comunas, elas vão crescer mais e mais. Mas se eles não investem e expulsam as pessoas eles não terão para onde ir e vão gerar violência e pobreza para a cidade. Então, a solução correta (e a sua conclusão) é que deve-se investir na melhoria da comuna e isso é um consenso geral porque é o que está dando certo. Bom exemplo para o Brasil.
40 minutos de subida desde o trem (contando com a conexão das linhas do metrocable) e chegamos ao Parque Arví. Ao fundo, a estação do metrocable. 
Mobiliário no Parque Arví: livros com explicações sobre a fauna e flora do parque expostos sobre uma bancada (com cuidado para que as crianças também possam ter acesso).  Tem também uma pequena feira, com comidinhas deliciosas e artesanato, caixa eletrônico, banheiros, etc.
Da estação do metrocable, pode-se-fazer uma pequena trilha com um guia (com horários definidos). Tudo muito organizado.

No Parque, há diversas trilhas com diversos tempos. Fizemos a trilha normal com o guia (1 hora) e depois seguimos por outro caminho que nos trouxe até essa cachoeira, indicada pela guia. 20 minutinhos mais estávamos aqui. Lindo!
Nesse espaço, lixeiras, mesas e cadeiras, banheiros e vestiário. Pessoas usando o espaço, fazendo seus piqueniques, famílias... Tudo na maior paz e organização.
Resumindo: se você quiser estudar sobre o renascimento, vá à Europa, se quiser estudar sobre pirâmides, vá ao Egito ou ao México... E se quiser estudar sobre urbanismo e inserção social... vá a Medellín!


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  • (1) Parque Explora. Museu Interativo de ciência e tecnologia. Alejandro Echeverri, 2008.
  • (2) Parque Biblioteca Santo Domingo (Biblioteca España). Giancarlo Mazzanti, 2007. 
  • (3) Orquideorama. Planb e JPRCR, 2006.

Fotos:
  • Arquivo pessoal
Mais sobre a Biblioteca España:

2 comentários:

  1. Aline, muito bacana esse texto sobre Medellin! Pesquiso bastante sobre sustentabilidade e acho Medellin e Bogotá exemplos fantásticos de como as cidades tiveram, e tem, seus cenários modificados positivamente, e em curto prazo. Exemplos esses que poderiam ser replicados.
    O que você acha do cenário, do ponto de vista de trabalho na área?! É uma cidade que eu gostaria muito de trabalhar. Obrigada!

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    Respostas
    1. Oi Thais! Obrigada pelo comentário!
      Apesar dos lindos parques e espaços públicos, morar em Bogotá não é fácil. Como reflexo do descaso do poder público com o resto do país e, devido à força da guerrilha (na Colômbia ainda há muitos "desplazados" pela guerrilha), muitos migram para Bogotá para tentar uma vida melhor. Como consequência, a cidade não pára de crescer, o trânsito é caótico, transporte público precário e há muitas comunidades marginais e violência. E eles, visivelmente, não conseguem gerenciar bem esse crescimento.
      Já Medellín é diferente: a cidade tem suas "comunas" sim, mas soube administrar bem isso, com muito trabalho, como eu mostrei um pouco aqui no post. Acho que há muito trabalho em Medellín. Apesar de eles terem fama de protecionistas no seu mercado de trabalho, se você trabalha duro e bem, eles são os tipos que valorizam; porque também têm fama de trabalhadores. Quando estive lá, fiquei com vontade de ser arquiteta lá, trabalhar lá, morar lá!! A cidade é muito inspiradora. Vale a pena conhecer!
      E, se você quiser trabalhar aqui na Colômbia, pode conseguir um registro temporário de arquiteta. ;)

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